*Por Maria da Penha Oliveira, psicóloga e coordenadora do Programa de Apadrinhamento, Capacitação e Projeto Entrelaços, do Grupo Aconchego.
Crianças são acolhidas em razão de sofrerem maus tratos, abusos e outras violações de direitos. Sabe-se que o acolhimento é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para o retorno à família de origem ou colocação em família por adoção, assim determina o Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 101 § 1º. A mesma Lei, em seu artigo 4º, confirma o artigo 227 da Constituição de 1988, assegurando que crianças e adolescentes são prioridades absolutas.
VIVI, uma menina de Minas Gerais, foi acolhida aos 2 anos de idade, aos 3 foi apresentada a um casal já preparado pelo serviço de justiça e habilitado para adoção. A guarda foi concedida ao casal e Vivi foi morar com a família. Porém, 6 anos após a guarda, e ainda sem conclusão do processo de adoção, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determina que Vivi retorne à família de origem e transfere a guarda para a avó paterna.
Se está na Lei que o processo de adoção deve ser concluído num prazo de 90 dias prorrogáveis uma única vez por igual período, o que aconteceu para que tenha demorado tanto tempo aguardando uma decisão definitiva, que aliás ainda não aconteceu?
Como psicóloga, especialista em desenvolvimento humano, atuante em defesa da garantia de direitos de crianças adolescentes, não sei responder. Se o acolhimento é a favor da criança como proteção quando seus direitos são violados, o que dizer quando o violador de seus direitos é a própria Justiça?
Vejamos o caso do ponto de vista psíquico:
A criança, em sua primeira infância, é afastada de seus genitores em função de maus tratos, ou simplesmente porque não conseguiam prover a filha de suas necessidades básicas ou nutri-la com cuidado e afeto. Ela é acolhida em uma instituição e submetida aos cuidados de algumas cuidadoras. Após um ano de acolhimento, Vivi é apresentada aos seus possíveis pais por adoção. E novamente ela passa por mais algumas separações: de suas cuidadoras, de seus amiguinhos e outros profissionais da instituição.
Mas agora, confia-se que Vivi seguirá o seu desenvolvimento psicoafetivo, afinal a família que a recebe como filha, passou por todo um processo de preparação e aguarda ansiosamente essa filha que biologicamente já havia nascido em algum lugar. Espera-se que o afeto dessa família seja reparador e que a menina siga o seu desenvolvimento apesar de todas as adversidades vividas em tão precoce idade.
Com o processo de Guarda para adoção, os cuidados singularizados no seu cotidiano, o afeto pelo olhar, pelo toque, cheiro e pelas palavras que traduzem naturalmente suas sensações, uma nova história vai se desenhando em sua vida. Um vínculo vai se formando e Vivi vai entrando cada vez mais nessa família até se sentir livre para chamá-la de sua, embora ainda não use o nome da família, que gera pertencimento legal e psíquico, pois o processo de adoção, após 6 anos, ainda não foi concluído, e possivelmente Vivi use legalmente o nome de sua família de origem e socialmente o nome de sua família por adoção. É um pertencer sem pertencer. Ela sobrevive, claro, porque deve haver muito amor desses pais que tanto brigam por ela.
Psicologicamente entendemos que essa demora na concretização do processo de adoção pode gerar alguns danos emocionais para a criança, manifestados por meio de alguns transtornos como ansiedade, queixas psicossomáticas, déficit de atenção ou dispersão, entre outros. Defendemos que o processo não seja tão rápido que desrespeite o tempo de elaboração da criança e nem tão demorado que a deixe no limbo jurídico, e perca o sentido de sua vida de família.
No caso Vivi, a demora pela conclusão da adoção torna o caso ainda mais problemático, surpreendendo de modo perverso a família e com certeza a criança. De repente, a justiça, que se supõe exista para garantir o cumprimento da Lei, e que garanta a prioridade absoluta da criança e os seus reais interesses, decide pelo retorno da menina para sua família de origem, uma avó com quem nunca conviveu, portanto não tem vínculo.
E que consequências isso tem para a família e principalmente para a criança?
Evidente que os conflitos advindos dessa decisão podem ser devastadores na vida da família. Viver na eminência de se desconstruir e perder o que tão amorosamente foi construído é enlouquecedor para todos os envolvidos. Sentimentos de insegurança e medo podem tomar conta da família a ponto de se perder de vista a razão que sustenta o vínculo de filiação. É um desperdício de tempo e energia.
Vivi, com 9 anos, leva uma vida de criança, estuda, brinca, sonha e com certeza já se vê no futuro de acordo com a cultura e a história de seus pais. Copia seus trejeitos, o jeito de falar, os hábitos. Porque é assim que é com todos os filhos nessa idade. Seus pais são seus ídolos e devem ser “imitados”. Portanto a notícia de que pode retornar para a família de seus genitores, para uma senhora que dizem ser sua avó, com a qual nunca conviveu é no mínimo assustador. Faz a vida parar. Tudo que ela não precisa mais vivenciar.
E no último dia 28 de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concede liminar, suspendendo a decisão do TJMG de mandar de volta a criança para a casa da avó. E a esperança renasce para essa família. Ela ganha fôlego, mas ainda não resolve, pois o impasse continua. Vivi ainda não tem o nome de família. E quanto tempo mais vai esperar?
E nosso apelo é para que as autoridades cuidem do caso com a urgência que a criança precisa. O processo jurídico, não deve, mas pode parar, porém o desenvolvimento da criança não espera. E se espera é porque alguma coisa não vai bem.